quarta-feira, 6 de maio de 2009

ELA PODERIA TER AJUDADO – Parte II

Ela me deixou. E eu já havia percebido no ar o desejo de fuga. Assim como Papillon no romance de Charrière que contava as ondas do oceano, para saber o momento certo para saltar para sua liberdade; penso eu que ela, talvez, contasse os dias, as horas, minutos, segundos para sua fuga.

Eu já tinha sentido os sinais de que a coisa ia mal – e se eu tivesse sido um pouco mais esperto, eu já deveria ter saído dessa faz tempo. A tragédia iria acontecer um dia a mais dia outro a menos, e a vida em si já é uma tragédia. Viver é um eterno planejar e re-planejar atos, dívidas, dúvidas, pensamentos que no final vão dar em nada, pois as coisas, você sabe, têm uma força própria que não se pode alterar.

Agora fico aqui um pouco mais triste, mas a vida continua, e a vida tem que continuar. Sigo um pouco mais alquebrado, um pouco mais machucado, solitário e com dias de janelas eternamente abertas a um horizonte sem sol. Seguimos em frente como no final do romance de Fitzgerald:

“Gatsby acreditava na luz verde, no futuro orgástico que ano a ano recua a nossa frente. Ele escapara então, mas isso não importava – amanhã correremos mais rápido, estenderemos mais adiante nossos braços...e numa bela manhã...

E assim prosseguimos barcos contra a corrente, arrastados incessantemente em direção ao passado.”¹

Agora já é tarde, ele me deixou realmente, e a noite cai na urbanidade caótica, das cinco horas da tarde de um dia qualquer, na cidade. Carros com passageiros solitários, ônibus lotados com mulheres cheirando a Cândida, metrôs com filas enormes e vagões entupidos, a vida segue.

Luzes incertas acendem-se aqui e lá, e, no seu íntimo, ele sabe que por detrás de cada janela iluminada há um homem solitário segurando em prantos sua alma amargurada.

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1. FITZGERALD, F.Scott (2007) O Grande Gatsby; trad. de Roberto Mugiatti. RJ: Best Bolso.

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