domingo, 25 de julho de 2010

A ESTRADA

"Eu fui à Floresta porque queria viver livre. Eu queria viver profundamente, e sugar a própria essência da vida... expurgar tudo o que não fosse vida; e não, ao morrer, descobrir que não vivi".
WALT WHITMAN

Eu não podia mais voltar.
Não havia mais uma estrada a percorrer atrás de mim; mas como seguir em frente?
Poderia até ir além, ou aquém; mas como seguir assim desse jeito?
Mais vazio, menor em meus sonhos, talvez com pouca esperança e com muita, muita dor, como ir adiante?

Dia após dia, mês após mês trabalhadores construíram esta rodovia. Desmataram o terreno, aplainaram, reviraram a terra, asfaltaram a estrada deixando-a lisa e apta para o percurso.
E agora que ela se encontra em nossa frente, finalizada e pronta, o que fazer? Ir em frente!
Continuar a viagem e saber o momento certo para pausar a jornada, esperar os trabalhadores voltarem e façam de novo o seu trabalho de construção. E depois que tudo estiver pronto novamente, cair na estrada! LET GO, GIVE IN and KEEP THE JOURNEY!

A jornada é longa, e sempre em frente.
O que aconteceu, aconteceu e aconteceria de qualquer jeito e não se fala mais nisso!
Sempre em frente esta é a opção que a longa estrada em nossa frente nos oferece. As coisas acontecem porque tem que acontecer e não porque queremos que elas aconteçam.

Agora aqui eu paro.
Não vou olhar para trás. A estrada de ontem não mais existe. Por isso não posso voltar. Não agora, não neste momento.
A nova estrada que se abre a minha frente é árdua, escura, solitária...
Ninguém me disse que seria fácil, por isso caminhar sempre caminhar.

sábado, 10 de julho de 2010

E SE EU MORRER?

E SE EU MORRER?

E se eu morrer?
E se eu anoitecer e não amanhecer?
Quem por mim vai sofrer?

Quem louca em prantos
vai se jogar sobre o meu túmulo e dizer:
“Eu te queria tanto!”

Quem dentre minhas amigas
chegará mal amada e desiludida da vida
e dirá que comigo foi sua alegria?

Quem? Quem, meu Deus, quem?
Quem dos meus companheiros
chegará bêbado e desatinado
e discursará em altos brados?
Qual dos meus parentes estará ausente?

Meu Deus, e se eu morrer manhã?
Quem colocará em meu túmulo
uma rosa cor de maçã?
Quem esquecido, tristonho e afobado
chegará atrasado?
Quem durante o cortejo final dirá:
“Era um bom sujeito, nunca fez o mal?”
Qual criança chorará pra ir embora?
Quem cometerá um fora?
Quem ficará na fossa?

Qual das minhas namoradas
entrará enlutada
e chorará calada?
Quem dentre minhas amadas
abraçará minha mãe e dirá:
“Como eu o amava!”

Quem dentre os meus amigos mais íntimos
quererá estar comigo no caixão?
Quem vai pagar o meu enterro?
Quem vai rasgar suas roupas no meu funeral?
Quem enviará uma coroa de flores?
Quais de meus amigos fará questão
de segurar à alça do meu caixão
nessa minha última caminhada por esse mundo cão?

Quem ficará afastada, quieta
chorando calada
Segurando em suas mãos uma rosa desfigurada?

Quem dentre tantos
diria sem abalo:
“Já foi tarde!”
Quem chegaria depois de tudo ter acabado
e se despediria sem ser atrapalhado?

Quem diria uma última prece?
Quem se despediria em forma de poesia?
Quem se mataria em meio a soluços?
Ah! Meu Deus!
E se eu morrer sem fazer minha última poesia?
E se eu me for sem um beijo roubado?
E se eu partir sem deixar alegrias?
E se eu ficar em coma e vegetar até o fim de meus dias?
E se eu partir sem uma amada?
Meu Deus!
E se eu morrer agora?
OUTUBRO, 1985.

domingo, 4 de julho de 2010

CRÔNICA DE UMA CIDADE

CRÔNICA DE UMA CIDADE

Como chocolates Sufflair. Entupo-me de amendoins e uso raízes revigorantes para nutir a vontade e a esperança: ginseng, gengibre, catuaba, jasmin...

A paixão é uma sensação estranha – ex-tranha. Vem de fora e nos consome pelas entranhas, pelos intestinos. Mexe com as vísceras, o intelecto, a razão, o juízo e o sexo. Faz com que você navegue outros mares, subir pra outros andares, te faz conhecer mil lugares, faz tatuagens na sua alma.

É um quasar pulsante, uma lua em escorpião, uma Andrômeda cadente, um risco, uma imprecisão, um envio de cartões pelo correio. Algo que se intromete em sua vida sem pedir quando ou permissão.

A paixão te pega de calças curtas, pequeno, indefeso, agnóstico, ateu. Faz com que aconteçam adultérios, mil loucuras, encontros às escuras, traições... É uma sede insaciável, um ponto de luz inacessível e inesgotável.

É atemporal e nem tem data pra acabar. É matemática, equacional e se mostra esplendida e inteira num carro qualquer com os vidros embaçados na escuridão de uma avenida da cidade.