segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A RAZÃO DO POEMA

A RAZÃO DO POEMA¹

Estava eu a pensar e comecei a refletir em poemas que escrevi há algum tempo atrás. Não me pergunte o porquê, mas dois deles evocaram sua presença em minha mente. O primeiro se chama A Disciplina de um Desejo, que escrevi quando entrei na faculdade de Letras em 1985.

O argumento do poema é um amor platônico. No começo do curso, tinha eu dezenove anos, nada sabia da vida – e ainda hoje não sei muita coisa, apenas aprendi que o futuro é a morte, e que não adianta planejar que no fim tudo dá errado.

Bom, estava eu começando o curso quando me surge assim do nada uma morena chamada Heloisa Helena. Linda, muito mais velha que eu, divorciada com dois filhos e independente.

Eu incauto, apaixonei-me por ela, mas nunca tive coragem de chegar junto e convidá-la para fazer alguma coisa. Era muita mulher para um garotão como eu, então canalizei o desejo na linguagem poética e cometi esse poema que ela nunca viu, e aliás, ela nem soube que eu existi na face da terra.

Ficou o poema e o desejo latente:

DISCIPLINA DE UM DESEJO

Você vai notar que ela é muito simpática,

toda sorrisos e gosta de sentir as pessoas

enquanto conversa.

E eu, cuidadosamente, espalhava o nome dela pela cidade:

Muros, monumentos, elevadores, banheiros de cinema...

O que eu queria era o impossível,

Mas deveria haver um ponto obscuro, uma atalho, uma lacuna,

uma brecha qualquer no destino de nossas vidas

que possibilitasse um encontro furtivo

num hotel qualquer

Uma vez na vida.

Sedentos e ordinários!

Uma vez na vida e pronto!

Nunca tive jeito de fazer esta proposta.

Talvez ela nunca saiba que eu a quis.

Carrego comigo esse desejo irrequieto.

Passo por ela, sorrio, digo, ´Alô´.

O outro poema circa 1997, ´98, que foi quando cheguei a São Paulo, vindo do interior com a promessa de um mestrado na USP e nada mais. Um sonho e uma enorme cidade a descobrir. Fui morar num quarto e sala na Rua Antonio Carlos. O poema é sobre a necessidade de se tentar ir embora de uma relação doentia, e não conseguir, porque há algo maior (Carência? Medo? Insegurança? Amor? Sexo? Sei lá!) que te segura:

ALGO MAIOR QUE NÓS

Nós tínhamos uma pele gostosa,

uma vida amorosa muito louca.

Doidos por sexo, mal conseguíamos sair daquele apartamento.

Uma vontade louca que não passa.

Um tesão que não se acaba!

A gente então se entrega ao risco.

Arrisca a pele, perde o rumo, o sentido das coisas.

Só encontra sentido na desorientação.

A gente quer se explodir, e não consegue.

Quer enlouquecer de tanto amor,

Mas o amor é tão breve.

Quer se conter, mas não sabe como.

Quer se livrar da paixão,

mas não quer que ela acabe,

pois o tesão é grande demais

e se expande feito um gás que respiramos;

tornando o que fazemos

muito maior do que realmente somos.

O bonito de tudo isso é perceber a atemporalidade do escrito poético. Escrevi os dois poemas há algumas décadas, mas até hoje o sentimento pulsa e é verdadeiro. Isso prá mim é viver.

E a vida é mais ou menos assim, momentos, alguns ficam por anos e perduram, outros passam, o que me lembra uma outra poesia que escrevi, mas isso é outro papo, outro dia, um outro momento.

Por isso não conte a sua vida pelos anos que já passaram, e nem fique ansioso pelos que irão vir. VIVA! Isso já é o suficiente e complicado, como eu disse uma certa vez, não faço projetos futuros, a vida em si é um projeto que não se conhece muito bem.

_____________________

1. O título do texto foi retirado da obra homônima de José Guilherme Merquior, diplomata falecido na década de 80. Merquior foi um excelente crítico literário tendo uma coluna sobre literatura, no finado Jornal do Brasil, e também foi acusado de ter contribuído com a ditadura militar na década de 70 e, o senador e ex-presidente Fernando Collor, plagiou seus textos em discursos, mas isso não diminui a importância do autor.. Quem desejar saber mais sobre o livro siga o link abaixo:

http://www.fflch.usp.br/dlcv/vcamilo/fal%EAnciadapoesia.pdf

2 comentários:

  1. Oi,querido!

    Há muitas histórias poéticas; vividas, sonhadas, fantasiadas, e até mesmo uma paixão platônica. No universo da poesia tudo parece mágico e solucionado, sem quaisquer problemas. Mas a ousadia das palavras não descartam o famoso futuro do pretérito... É quase uma “reza”, tão explícito e camuflado ao mesmo tempo. Felizardo é aquele(a) que desvelam suas entrelinhas, nem sempre o verbalizado expressam os sentimentos inquietos. Mas um caminho é certo...VIVA!!

    "Como sempre, seus textos são muito reflexivos. É um dos seus talentos. Parabéns!"

    Meigo abraço.

    E.R.

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  2. Viver sem projetos para o futuro? Interessante! Vou tentar, de verdade, de repente eu encontro o que tanto procuro...

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