sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

ESCREVENDO

ESCREVENDO
Na mais recente biografia da escritora Clarice Lispector publicada, ela assim definiu o seu íntimo ato de escrever:

É que escrever não me trouxe o que eu queria, isto é, paz. Minha literatura, não sendo de forma alguma uma catarse que me faria bem, não me serve como meio de libertação. Talvez de agora em diante eu não mais escreva, e apenas aprofunde em mim a vida. Ou talvez esse aprofundamento da vida me leve de novo a escrever. De nada sei.
CLARICE LISPECTOR citado por MOSER, Benjamin (2009) “Clarice, uma biografia”. SP: Cosac & Naify.

Assim como a escritora – e quem sou eu para me comparar com a grande Lispector? Escrevo para obter a minha paz, para me acalmar, um pouco, para me expressar, um muito. Escrevo porque não paro de pensar, escrevo porque leio muito, escrevo para esquecer um pouco as tristezas da vida, e olha que não são poucas.
Escrevo para domar esses demônios que insistem em aparecer quando estou pré-claro, lúcido – lembrem-se que Lúcifer era um anjo de luz; e quando a luminosidade é maior. Escrevo porque certos assuntos, certos tópicos são mais bem entendidos por escrito. Há certas coisas que ficam mais claras e definidas se estiverem expostas numa folha de papel. O discurso oral não se presta a esse serviço, às vezes, dependendo do que você quer dizer.
Mas, o papel aceita qualquer bobagem, e o que encanta o leitor é a palavra, a palavra bem escrita:

Um livro é um objeto físico num mundo de objeto físicos. É um conjunto de símbolos mortos. E então aprece o leitor certo, e as palavras – ou antes, a poesia por detrás das palavras, pois as palavras são meros símbolos – saltam para a vida, e temos um ressurreição das palavras.
BORGES, Jorge Luis (2000) “Esse Ofício do Verso”. SP: Cia das Letras.

Então, um texto, por mais bem escrito que esteja, por mais bem feito que seja; não passa de um amontoado de palavras, palavras essas que tem que atingir o centro, o plexo solar, a faringe. Calar a voz e acertar o coração, esse músculo que insiste em bater e se apaixonar. Mexer com os sistemas emocionais do cérebro do leitor que desatento folheia a revista, o livro, abre o site, lê o blog e navega...
A palavra mesmo atingindo a esse objetivo pelo qual é proposta tem que achar o leitor certo, porque a poesia tem que fluir por detrás das letras, e você sabe que enquanto há poesia há vida, ou melhor, esperança de vida!

DESPALAVRA
Hoje eu atingi o reino das imagens, o reino da despalavra.
Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades humanas.
Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades de pássaros.
Daqui vem que todas as pedras podem ter qualidades de sapo.
Daqui vem que todos os poetas ter qualidades de árvore.
Daqui vem que todos os poetas podem humanizar as águas.
Daqui vem que todos os poetas devem aumentar o mundo em suas metáforas.
Que os poetas podem ser pré-coisas, pré-vermes, podem ser pré- musgos.
Daqui vem que os poetas podem compreender o mundo sem conceitos.
Que os poetas podem refazer o mundo por imagens, eflúvios e afeto.
MANOEL DE BARROS.

para Nanci.

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