sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

POSEIDON

POSEIDON

O surfista experiente acorda cedo de manhã para pegar a melhor onda.

Ser o senhor das marés

não me transformou em senhor da minha vida

e nem dono do meu destino.

Do que já estava escrito e planejado;

gravado nas linhas descontinuas e desiguais

das palmas das minhas mãos.

O certo, o errado.

O falso, o enfado.

Desamores, as atrozes dores

Nada foi desperdiçado.

Contar o número de vezes

que as ondas se quebram no rochedo,

e saber quando fazer o salto no mar para escapar;

Não me ajudou a saber nada sobre meu futuro.

Sobre a vida, sobre as quatro linhas que dividem o zodíaco,

Os ciclos pitagóricos da vida, Hong Fan...

Saber pular as ondas, prever o momento que a maré vai subir,

Não me ajudou a saber da vida e de seus perigos.

O surfista experiente acorda cedo para pegar a melhor onda.

Às vezes ele aguarda, aguarda, aguarda,

e essa onda não vem...

*idéia concebida em 12/01/2005; praia de Mariscal, SC e finalizada em 26/01/11 no Guarujá, SP.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O ETERNO RETORNO

O ETERNO RETORNO


A vida seria assim

um eterno retorno.

Um retorno à casa materna

onde tudo está no mesmo lugar;

um retorno ao abraço da pessoa amada

que não cessa de nos acolher;

um retorno ao beijo apaixonado

que nos faz acreditar que o amor ainda pode acontecer.


O salmão que nada correnteza acima

para retornar ao lugar onde nasceu.

O casal de patos selvagens

que ficam juntos até o final da vida.


Estar sempre voltando a um lugar onde nuca chegaremos.


Os aeroportos lotados, terminais de ônibus sobrecarregados.

O início do ano escolar, o mesmo emprego,

os mesmos colegas, os mesmos rostos,

as mesmas emoções mimetizadas,

os mesmos beijos tristes.


As coisas não cessam de mudar e de serem sempre as mesmas...


A picada traiçoeira do escorpião.

O ciciar das cigarras no verão.


E há sempre aquele lugar

aonde se quer,

mas não se pode retornar.


O silêncio duro como o som

dos sinos da igreja

cai como um véu de chumbo

por sobre nossas tristezas e dores.


Ao longe, ouço alguém a chorar;

será que é por mim?

domingo, 16 de janeiro de 2011

ARIANA

Mas e o outro lado? Como se sentia a ariana diante do mar de emoções desse homem de peixes que se ressentia da impulsividade dela? Para quem é de fogo, nada é mais desesperador do que lidar com atmosferas densas, principalmente as silenciosas […] Ela sentiu seu fogo apagado e, consequentemente, faltava-lhe energia.”

CLAUDIA LISBOA, “Viva a diferença, Revista O Globo, 19/12/2010.


Era uma mulher de muitas urgências: renovar o seguro do carro; redecorar a casa de praia na Riviera de São Lourenço; levar a sogra para fazer uma tomografia no Einstein; pegar o bolo de aniversário do filho de 8 anos; ir a esteticista, clarear a pele e tirar as manchas sem deixar marcas, é lógico. Pegar os ternos do marido, um executivo da Ford, na lavanderia; encontrar as amigas para uma degustação de vinhos; marcar hora no cabeleireiro, fazer escova, pintar as unhas de vermelho; fazer pilates por uma hora; levar o caçula no dentista; ir ao dentista também para clarear os dentes; levar as crianças no Burger King; ir no Pão de Açúcar fazer as compras do mês, trocar a blusa na Le Lis Blanc. Ir ao shopping Iguatemi comprar uniforme novo para a empregada; marcar hora no seu terapeuta; almoçar um folhado na Bella Paulista...urgências! Urgências! Urgências! Urgências?

Porque ser de Áries é isso, é ser impulsivo, pro-ativo; é ser do fogo!

E nessas manhãs em que o horário de verão marca 7 horas quando ainda são 6; ela se levanta para ver se a empregada já comprou os pães na padaria.

Ela sai na sacada o seu apartamento de 300 m² no Itaim e sente um calor. Um calor que se inicia na sola dos pés, vai subindo pelos calcanhares, panturrilhas, coxas..., ela aperta a barriga, os seios e murmura pra ninguém mais ouvir:

´Como eu queria me apaixonar...´

sábado, 15 de janeiro de 2011

NA PONTA DOS PÉS

NA PONTA DOS PÉS

Estávamos os dois a andar por um enorme campo. O cheiro do capim, a brisa suave, o piar de pássaros, o barulho de nossos pés a estalar a relva seca, a silhueta das montanhas e ao chão, corpos ressecados de cigarras que haviam estourado de tanto cantar no verão.

Suas pequenas mãos lisas, o cabelo longo e sedoso ao toque da minha mão. O lóbulo pequeno e delicado de sua orelha esquerda, os dedos com unhas esmaltadas de vermelho sangue. O frio vento a gelar nossos corpos ao cair da tarde e, no meio de tudo isso, seu rosto me aparecia assim, lívido, preciso, naturalmente.

Lembro-me dela sempre de perfil, pois era assim que caminhávamos, lado a lado, e do jeito que ela virava a cabeça pra conversar comigo, encarando-me como quem procura um peixinho dourado num aquário de águas limpas e cristalinas.

De repente ela parou e começou a me contar uma história sobre um poço naquele campo onde passeávamos. Ela não sabia dizer com certeza se ele realmente existiu. Talvez fosse uma lenda, um mito, um caso passado de boca em boca pelos habitantes daquela região. Ou talvez fosse fruto da sua imaginação, que já havia me contado inúmeros outros relatos, criações de sua mente para amenizar aqueles tempos sombrios.

Ela me conta que exatamente na divisa entre o campo e o bosque, havia um poço. A grama cobria o buraco escuro que, de acordo com ela, tinha apenas um metro de diâmetro de abertura. Não havia nada que indicasse a presença do poço; uma placa, uma pedra, uma cerca, um aviso, nada! Era apenas um buraco aberto na terra como uma boca escancarada a engolir os raios de luar nas noites de lua cheia.

Diziam que o poço era muito antigo, habitado por lagartixas, sapos e mandrágoras e que as pedras em seu interior, devido a exposição ao sol, chuva, orvalho; haviam adquirido um coloração esbranquiçada.

Era um poço muito, mas muito fundo! De uma profundidade além de nossa imaginação. Em seu interior a escuridão era tão negra, tão densa que era como se todas as escuridões, da alma e do mundo, houvessem se fundido para formar a escuridão daquele poço.

Assustado com o relato, perguntei-lhe onde se encontrava tal poço, pois era um local perigoso que deveríamos evitar.

Ninguém sabe onde fica”, ela me disse, “e se você cair lá dentro é o fim de tudo. Você desaparece e as buscas geralmente não dão em nada.”

Fiquei preocupado e disse que alguém precisava descobrir aquele poço, e construir uma cerca em volta dele.

Mas ninguém consegue descobrir”, ela me disse.

Vendo minha inquietação, ela se vira, coloca suas pequenas mãos em meus ombros e me encara. Olho aquele líquido negro de seus olhos e vejo um redemoinho a me sugar, a me chamar, a me envolver, a me atrair.

Ela se ergue na ponta de seus pés e encosta seu rosto carinhosamente no meu. Fico tão encantado com essa demonstração de carinho que meu coração para por um instante.

Ela segura forte a minha mão e me diz:

Está tudo bem. Não se preocupe. Você poderia caminhar aqui numa noite escura e não cairia no poço. Basta que você fique grudado em mim, e juntos não iremos cair. É simples, apenas fique comigo para sempre,”

E de mãos dadas continuamos a caminhar pelo campo e adentramos o bosque escurecido pelas árvores, negro como seu olhar.


*Escrito em 03 de junho de 2010. Para N., sempre.


quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

DIA DE MUDANÇA

DIA DE MUDANÇA

A vida é basicamente insegura. Essa é a sua qualidade intrínseca. Nada pode mudar isso. A morte é segura, absolutamente segura. No momento em que você escolhe a segurança, sem saber está escolhendo a morte. No momento em que escolhe a vida, está escolhendo a insegurança.
Com a segurança, com o conhecido, você fica entediado. Começa a ficar entorpecido. Com a insegurança, com o desconhecido, com o inexplorado, você se sente extasiado, belo, criança novamente — mais uma vez aqueles olhos de admiração, mais uma vez aquele coração capaz de se maravilhar.”

Osho, em "Faça o Seu Coração Vibrar"


E um enorme caminhão baú

de repente chegou com um grupo de carregadores

e eles me disseram:

  • Você tem que se mudar!

Me mudar? Como assim?

Sem mais nem menos sair

sem saber aonde ir;

Como assim, me mudar?


E os carregadores começaram a mudança.

Despedaçaram minhas memórias!

Levaram embora um velho fogão

de velhas ideias e projetos requentados.

A velha e caída mesa calçada

por manias e antigos hábitos.

Uma pesada estante de jacarandá rosa

lotada de paradigmas!

Essa foi difícil de remover.


Como assim , me mudar?

Agora que estava tudo bem acomodado

e confortável na inércia da minha vida.

Logo agora que eu havia desistido dos meus sonhos,

desejos, vontades, e tinha me conformado

com a mediocridade da vida,

você vem me falar em mudanças!?


Mas os carregadores não me ouviram

e nem obedeceram aos meus pedidos

para deixarem tudo como está.


E, pouco a pouco, fui me esvaziando...

Fui ficando vazio,

e o que era velho, antiquado e mofado;

desparecia como sal nas águas de um rio...


Vazio fiquei.

Vazio fico.


E no silêncio do eco da imensidão do imóvel

limpo de todos móveis, utensílios e tranqueiras;

pruridos, roupas e ideias;

Vazio eu estou.

Vazio eu cheguei.

Vazio eu saio.


Saio sem nada, mas saio feliz.

Saio renovado, rejuvenescido

e amedrontado com o porvir.


*Escrito em 14/07/08.


domingo, 9 de janeiro de 2011

O QUE MATA É O SILÊNCIO

O QUE MATA É O SILÊNCIO.


Dessa vez não ia ter nenhum erro, engano ou falha. Ele iria encostar o cano da 3.80 no céu da boca, puxar gatilho e explodir os miolos, simples.

Ele tinha ouvido falar de pessoas que ao tentarem estourar o crânio, não tinham encostado o cano direito e feito a devida força e pressão, e a coisa tinha dado toda errada.

Uma adolescente de 14 anos havia tentado isso; enfiou o cano da arma na boca e atirou. Mas não deu certo, a posição, pressão e força não foram o suficiente para seu objetivo. Como consequência, sua língua tinha virado um farrapo, seus tímpanos estouraram e o seu olho esquerdo ficou sem líquido, quanto ao cérebro, nada.

Ela perdeu a fala, a audição, tem somente 30 % de visão do olho direito. Ela não morreu. Não escreveu um bilhete de despedida se explicando. Agora ela é dependente de seus pais, que se questionam porque ela tentou se matar. Eles não entendem, e ela não pode se explicar, pois sua capacidade de comunicação é mínima.

O que mata mesmo é o silêncio.

Ele não iria fazer uma merda dessas. Havia aprendido com a história da menina.

Talvez fosse bom escrever uma carta, um bilhete, talvez enviar um e-mail, mas para quem? E, também, para que se explicar, ou por que se explicar? Algumas coisas acontecem sem um motivo, para que se justificar o tempo todo?

Boca bem aberta. O cano é frio e tem um gosto de óleo. O cano tem uma extensão longa, e até encostar no céu da boca, um eterno caminho é percorrido.

Ele fecha os olhos e se concentra.

Faz força e pressão no palato; não quer que nada dê errado.

Cria coragem.

Silêncio.

[...um silêncio eterno, atônito, inquebrantável se instala suspendendo o minuto do ato. Um silêncio elongado, mutilado, estranho.]

Som de um revólver sendo engatilhado.

[…]

Então isso é a morte?


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

REALIDADE PARALELA

REALIDADE PARALELA

Sempre desconfiei que durante nossa existência, nos deparamos com determinados vórtices do destino, que, ao sermos submetidos a eles, nos multiplicaríamos em infinitas possibilidades de nós mesmos desencadeando um berçário de universos.”

LOBÃO in “50 anos a mil.”


Quando saio para fazer a minha caminhada matinal, sinto que estou naquele filme chamado “O Feitiço do Tempo” com o Bill Murray. Nesse filme, ele faz um repórter que é aprisionado em um espaço-tempo, tendo que repetir ad infinitum um mesmo dia com as mesmas ações e acontecimentos desse dia.

Ao sair de casa sempre encontro os mesmos personagens. É como se a manhã tivesse um cenário pré-moldado. Invariavelmente me deparo com as mesmas duas faxineiras que caminham lado a lado, indo para os seus empregos, papeando sobre o dia; sempre passa um Fiesta vermelho com uma placa de VENDE-SE no vidro lateral sendo conduzido pelo seu proprietário; uma senhora negra sentada nos degraus de um restaurante aguarda que alguém abra-lhe as portas para começar os serviços do dia; as meninas do salão de beleza lavam a calçada e as mesmas pessoas aguardam os ônibus matinais nos pontos. Toda manhã vejo os mesmos personagens e os mesmos componentes montando esse cenário.

Há uma teoria na física quântica que diz o universo ser uma enorme equação matemática. Os componentes dessa equação seriam chamados de fractais. Eles são as peças responsáveis pelo equilíbrio do universo. Se um desses fractais saem de seu devido lugar, o universo entra em desequilíbrio, e passa a ser regido pelo caos, onda nada é previsível.

Às vezes, o caos se instala em nossas vidas instalando tragédias em nosso cotidiano. Um acidente de carro, uma morte na família, uma enchente que leva os bens únicos e preciosos etc. Quando isso acontece o ser humano se desespera, pois ele acredita que pode controlar o seu dia a dia, montar um cenário plausível onde tudo parece correr na mais perfeita ordem.

O ser humano tem essa necessidade de controlar sua vida, por isso inventa calendários, horários, faz previsões do tempo, mas nem tudo pode ser controlado. E quando as pessoas percebem que não estão no controle de suas vidas, que há desígnios maiores, que não existe um cenário pré-concebido ou personagens em suas devidas marcações; que tudo de um momento para o outro pode ser destruído, acontece o desespero.

No momento em que o ser humano se dá conta disso, dessa realidade, dessa verdade; ele constrói uma realidade paralela onde ele imagina poder reger o seu destino, ser o herói e protagonista de sua própria história.

E quando a realidade paralela passa a ser a verdadeira realidade? Assim como Dom Quixote que se lançou a matar moinhos pensando que eram dragões, o que seria o melhor a ser feito, viver a realidade como ela se apresenta, ou a realidade paralela que traz mais segurança?

E quem controla realmente a sua vida, você ou a sua imaginação?

Pense nisso.


sábado, 1 de janeiro de 2011

E mais um ano se inicia. Um ano se acabou, e com ele se foram os problemas, dúvidas e incertezas. Um ano se acaba deixando dívidas a serem pagas no ano que já começa. Um ano se acabou deixando, ao menos, um laivo de esperança de que as coisas, que não melhorem, mas que continuem no mesmo passo, sem muitos sobressaltos, tristezas, tragédias e crises.

O ano que acabou teve o seu quinhão de crises políticas, econômicas. Os ataques terroristas continuaram; o tráfico de drogas continuou. Porém não houve um maremoto dizimando a costa brasileira. Não aconteceu nenhuma invasão alienígena; a camada de ozônio continua segurando as pontas. A Coreia do Norte não lançou nenhum míssil nuclear sobre os Estados Unidos. Por bem, ou por mal, a humanidade segue em frente, continua a caminhar, ainda que com falhas e valores deturpados.

Um ano se acaba e as pessoas festejam. Vejo luzes, fogos explodem no céu da noite. Casas cheias de amigos e parentes saúdam o ano que se abre diante deles como um livro com as páginas em branco.

No ano que se inicia o planeta continua a girar em sua própria órbita. E nos, humildes e pequenos habitantes, continuamos por aqui vivendo o caos no trânsito, as contas a pagar, o salário baixo, as tentações da carne e, heroicos, enfrentaremos os problemas que estão a espreita a cada esquina. Os mesmos problemas que transferiremos pra o dia seguinte, o mês seguinte, para o ano seguinte para que enfim um novo ano nos traga a prosperidade tão proferida nos votos finais do ano, junto com paz e saúde.

Um ano novo começa, esses fogos de artificio que explodem no céu da escura noite, nesse pequeno espaço de uma noite, estão dentro de você. O ano novo que se inicia, só se torna novo, se o novo estiver dentro de você.

FELIZ ANO NOVO!