terça-feira, 26 de outubro de 2010

AROMAS NÃO DEVEM SER EXPLICADOS

AROMAS NÃO DEVEM SER EXPLICADOS

Alguém poderia me dizer

como descrever o cheiro de terra molhada

depois de uma chuva de verão?

O cheiro da manga rosa cortada.

Da pêra mordida com seu suco a escorrer pelos lábios.

O aroma do orvalho ao primeiro sinal da manhã.

Como descrever o cheiro de maresia

que gruda na pele como uma tatuagem de verão?

Tente me dizer o que é sentir o cheiro da roupa lavada pela mãe

da rosa ainda em botão;

da tinta que forma as palavras no papel;

da cabelo longo, liso lavado com xampu de jojoba;

do vento que anuncia a tempestade que vai chegar.

Se alguém souber, por favor, diga-me como colocar isso

em palavras, frases, expressões.

E como dizer do aroma mais fundo,

mais profano e mais fecundo.

Aquele que sai do meio, da genitália, do púbis sedento

da mulher amada.

Aquele cheiro que desperta a paixão, o animal contido,

inebria e libera o descontrole

a violência, o dente que morde com mais vontade,

o vai e vem mais rápido, o quadril

que se mexe com mais ardor e velocidade

para o gozo logo chegar e nunca se acabar.

A mão fica mais pesada

e deixa marcas roxas nas coxas largas

de mulher que quer o gozo e o busca sem pensar.

Como descrever tudo isso?

Aromas são impossíveis de serem explicados

É algo simples como respirar:

Inalar, segurar o momento, exalar.

Simples como amar.

* Para N., pois depois que senti o aroma de seus meios nunca mais fui o mesmo.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A NOITE MAIS ESCURA E DENSA

A NOITE MAIS ESCURA E DENSA

Quando eu me encontrava preso
Na cela de uma cadeia
Foi que vi pela primeira vez
As tais fotografias
Em que apareces inteira
Porém lá não estavas nua
E sim coberta de nuvens...

[...]Eu sou um leão de fogo
Sem ti me consumiria
A mim mesmo eternamente
E de nada valeria
Acontecer de eu ser gente
E gente é outra alegria
Diferente das estrelas...

CAETANO VELOSO in “Terra”

Na noite mais escura

e densa da minha alma,

eu estava sozinho na minha cela

lendo um livro.

Virava lentamente as páginas

e aos poucos comia as letras,

as palavras, as frases, os parágrafos

e formava imagens na minha mente:

“A rua Post estava vazia quando Spade saiu. Andou um quarteirão na direção leste, atravessou a rua, andou dois quarteirões, pelo lado oposto..”.¹

Na solidão da minha cela

lia e imaginava como seria a vida lá fora:

- Sol no rosto.

Cheiro de fumaça de escapamento.

Calçadas entupidas de pessoas.

Barulho de buzinas.

Nuvens se esparramando pelo céu...

Eu lia e cada vez mais

ficava deprimido.

Deprimido com o silêncio,

com a fraca lâmpada que mal iluminava

as páginas do livro, as paredes

secas, nuas e cruas

assim como o seu coração.

Na noite mais escura

e densa de minh´alma,

eu estava sozinho na minha cela

lendo um velho romance policial

E os fantasmas do meu passado,

aqueles que não consegui enterrar;

Faziam fila no corredor

para de novo me assombrar.

Na noite mais escura

e densa de minh´alma,

eu estava sozinho na minha cela

com um velho livro na mão.

E você,

você que eu tanto amo e necessito,

você não estava lá.

*Poesia escrita dia 21/09/2010, um dos dias mais tristes da minha vida.

__________________

1. HAMMET, Dashiel (1984) “O Falcão Maltês”; trad. de Ruy Castro. RJ:Brasiliense.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A DANÇA SELVAGEM DO AMOR

A DANÇA SELVAGEM DO AMOR

E eu pensava no marasmo,

na letargia que nos dominava

depois do orgasmo.


Era quase um balé, uma dança selvagem e cadenciada

que finalizava com uma dormência,

uma dormência no baixo-ventre da namorada.


E ela se deitava sobre meu peito

grisalho de homem velho e mal amado.

e ela sussurrava que, às vezes, o amor é perfeito.


E ali, naquele pequeno quarto,

havia um silêncio quieto, pesado

e o universo cabia bem ali num abraço.


*Para N., sempre!