domingo, 31 de janeiro de 2010

I KNOW IT´S OVER

I know it´s over do álbum The Queen is Dead do grupo de rock inglês The Smiths é uma das canções que fizeram minha cabeça na década de 80. O disco é de 1986, tinha eu vinte anos e morava em Campo Grande. A vida era boa, amigos, festas (ainda não existia o termo baladas) nos finais de semana e zero de preocupação...é, às vezes a vida é bela.
Sempre fui tímido e tive um certo problema em chegar nas meninas – aliás, tenho isso até hoje. Uso uma aproximação muito intelectual, o que invariavelmente não dá em nada, pois não se entende o que estou a dizer, e o meu discurso, quase sempre resvala no recorte didático.
Bom, I know it´s over é uma canção muito depressiva. O grupo The Smiths é um grupo muito depressivo e o poeta e letrista da banda, Morrisey, escrevia letras para as canções do guitarrista Johnny Mars que faziam sempre apologia ao suicídio.
A primeira linha da canção já faz uma alusão a uma pessoa sendo enterrada:

Oh, Mother, I can feel the soil falling over my head
(mãe, posso sentir a terra cobrindo minha cabeça)
E a depressão e a tristeza continuam sempre com imagens de dor e mutilação:

See, the sea wants to take me
The knife wants to cut me
Do you think you can help me?
(o mar que me levar / a faca quer me cortar / será que você pode em ajudar?)

Eu adorava, e ainda adoro os Smiths. E hoje, olhando um pouco para trás, vejo que sempre houve uma relação muito íntima entre o adolescente que fui e as bandas de rock inglesas – Rolling Stones, The Cure, The Clash, The Who; e hoje em dia sou professor de literatura inglesa...coincidências?
Mas, retornando a minha juventude, minha timidez e meus problemas com as mulheres. Quando eu ia às festas, regularmente eu retornava sozinho à casa materna. E numa noite dessas de novo voltando solitário lá pelas três da manhã quando começa a tocar no rádio Kremlin de Djavan com interpretação de Gal Costa...mas esta é outra história.
E nesses retornos solitários das festas eu ficava a me indagar, ´Por que não tenho namorada? Se eu sou um cara simpático, bonito, inteligente, por que sempre estou sozinho?´, coisas de adolescente; e essa canção tinha o poder de descrever exatamente o que eu sentia naquele momento então:

If you´re so funny
Then why you´re on your own tonight?
And if you´re so clever
Why are you on your own tonight?
If you´re so very entertaining
Why are you on your own tonight?
If you´re so terribly good looking
Then why do you sleep alone tonight?
(se você é tão engraçado / então, porque você está sozinho hoje a noite? / e se você é tão inteligente / porque você está sozinho hoje a noite? / se você é tão bonito assim / por que você dorme sozinho hoje a noite? /

Esse era o meu espírito pós-festas, mas se eu soubesse o que sei agora, saberia que nós podemos muito menos do que aquilo que pensamos poder, e que a soberba é algo muito destruidor. Tudo nessa vida são quimeras, tudo é fugaz. Mas passou, tudo passa nessa vida, né?

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

ESCREVENDO

ESCREVENDO
Na mais recente biografia da escritora Clarice Lispector publicada, ela assim definiu o seu íntimo ato de escrever:

É que escrever não me trouxe o que eu queria, isto é, paz. Minha literatura, não sendo de forma alguma uma catarse que me faria bem, não me serve como meio de libertação. Talvez de agora em diante eu não mais escreva, e apenas aprofunde em mim a vida. Ou talvez esse aprofundamento da vida me leve de novo a escrever. De nada sei.
CLARICE LISPECTOR citado por MOSER, Benjamin (2009) “Clarice, uma biografia”. SP: Cosac & Naify.

Assim como a escritora – e quem sou eu para me comparar com a grande Lispector? Escrevo para obter a minha paz, para me acalmar, um pouco, para me expressar, um muito. Escrevo porque não paro de pensar, escrevo porque leio muito, escrevo para esquecer um pouco as tristezas da vida, e olha que não são poucas.
Escrevo para domar esses demônios que insistem em aparecer quando estou pré-claro, lúcido – lembrem-se que Lúcifer era um anjo de luz; e quando a luminosidade é maior. Escrevo porque certos assuntos, certos tópicos são mais bem entendidos por escrito. Há certas coisas que ficam mais claras e definidas se estiverem expostas numa folha de papel. O discurso oral não se presta a esse serviço, às vezes, dependendo do que você quer dizer.
Mas, o papel aceita qualquer bobagem, e o que encanta o leitor é a palavra, a palavra bem escrita:

Um livro é um objeto físico num mundo de objeto físicos. É um conjunto de símbolos mortos. E então aprece o leitor certo, e as palavras – ou antes, a poesia por detrás das palavras, pois as palavras são meros símbolos – saltam para a vida, e temos um ressurreição das palavras.
BORGES, Jorge Luis (2000) “Esse Ofício do Verso”. SP: Cia das Letras.

Então, um texto, por mais bem escrito que esteja, por mais bem feito que seja; não passa de um amontoado de palavras, palavras essas que tem que atingir o centro, o plexo solar, a faringe. Calar a voz e acertar o coração, esse músculo que insiste em bater e se apaixonar. Mexer com os sistemas emocionais do cérebro do leitor que desatento folheia a revista, o livro, abre o site, lê o blog e navega...
A palavra mesmo atingindo a esse objetivo pelo qual é proposta tem que achar o leitor certo, porque a poesia tem que fluir por detrás das letras, e você sabe que enquanto há poesia há vida, ou melhor, esperança de vida!

DESPALAVRA
Hoje eu atingi o reino das imagens, o reino da despalavra.
Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades humanas.
Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades de pássaros.
Daqui vem que todas as pedras podem ter qualidades de sapo.
Daqui vem que todos os poetas ter qualidades de árvore.
Daqui vem que todos os poetas podem humanizar as águas.
Daqui vem que todos os poetas devem aumentar o mundo em suas metáforas.
Que os poetas podem ser pré-coisas, pré-vermes, podem ser pré- musgos.
Daqui vem que os poetas podem compreender o mundo sem conceitos.
Que os poetas podem refazer o mundo por imagens, eflúvios e afeto.
MANOEL DE BARROS.

para Nanci.

INSTINTO ASSASSINO

INSTINTO ASSASSINO

Sentou no batente da porta da padaria ainda fechada. Apalpou os bolsos em busca do amassado maço de LM. Tirou um cigarro, o bateu na palma da mão, colocou nos lábios e o acendeu. Tragou profundamente e exalou a fumaça devagar em pequenos bafos.

Olhou o vai e vem lento das poucas pessoas; um empregado do bar da esquina lavava a calçada em uma busca inútil de tentar limpar os vestígios da noite; um casal de lésbicas adolescentes saía do clube underground abraçadas; a empregada dava o passeio matinal do pug arfante. Na banca de jornal o jornaleiro separava e arrumava os jornais do dia com as mesmas velhas notícias.

Tragou um pouco mais o cigarro e olhou o dia que se apresentava diante dele. O cansaço fazia com que ele esfregasse os olhos em busca de melhor enxergar, mas enxergar o que de melhor?

Nada conseguia ver de bom, ou interessante, naquele horizonte nublado, cinzento e sujo da megalópole. Olhou de novo a movimentação das pessoas, era verdade o dia insistia em nascer. O cigarro em sua boca já havia terminado. Jogou o toco de cigarro no chão e o esmigalhou com toda força e uma raiva incontida.

Enfiou de novo a mão no bolso e dessa vez sentiu a frieza do metal polido e inoxidável no bolso. Avaliou o peso e a circunferência do cilindro e o longo e frio cano de aço. Tocou uma por uma das seis balas mortíferas.

Parou pensativo, e viu que era o momento.

Era um homem desesperado e pronto a fazer qualquer besteira, até assassinar a sua esposa.